O Jeca, indiferente ao mundo, não dava atenção nem aos acontecimentos nem às conquistas sociais. Ainda em Urupês, podem-se encontrar relatos de Lobato acerca das atitudes do Jeca. Para o caipira, não importava se o país era independente ou não. A abolição da escravatura em nada modificou a sua vida, a Proclamação da República, menos ainda. Ao Jeca só interessava sua vida.
Entretanto, mesmo sem dar importância aos acontecimentos políticos, o Jeca votava.
Há uma narração que explicita a importância que o dia da eleição tinha para o caipira:
"O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar no governo. Tira nesse dia da arca a roupa preta do casamento, sarjão furadinho de traça e todo vincado de dobras; entala os pés num alentado sapatão de bezerro; ata ao pescoço um colarinho de bico e, sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar o diploma de eleitor às mãos do chefe Coisada, que lho retém para maior garantia da fidelidade partidária. Vota. Não sabe em quem, mas vota. Esfrega a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos a que chama “sua graça”."
O Jeca votava sem saber em quem. Tal como um tatu, estava sempre curvado, de cócoras aos outros. Vale ressaltar que Monteiro Lobato escreveu os contos com o personagem “Jeca Tatu” quando o Brasil atravessava o período da República Velha. Nesta fase, vivia-se a chamada República do “Café-com-leite” que tinha como uma das principais características o coronelismo que, como contam Nelson e Claudino Piletti: “Quem mandava em tudo e em todos eram os ‘coronéis’: no advogado, no padre, no professor, nas pessoas que trabalhavam em suas fazendas”. Os coronéis, com os títulos herdados do Império, faziam acordos entre si e escolhiam quem iria governar o país.
Desta forma, o Jeca fictício que entregava seu diploma (título eleitoral) ao seu patrão a fim de que fosse garantida a fidelidade partidária retratava, na verdade, o Brasil em que Lobato vivia.
Jeca Tatu não era patriota. Na verdade, ele sequer sabia o que era pátria. Sabia que o mundo era grande, que existiam muitas terras, mas não se importava em saber muito sobre elas. Quando questionado sobre o presidente da república, ele respondia com a pergunta: “O homem que manda em nós tudo?”. Se a resposta fosse afirmativa, ele respondia: “Pois de certo que há de ser o imperador.”
O Jeca não conhecia o regime político de seu país, não sabia o que era a comentada república. Ele não tinha interesse em saber de nada. A ele nada importava. O próprio Lobato chegou a descrever o Jeca como agente de sua condição.
Chegou-se a pensar que o Jeca queria andar de cócoras e viver miseravelmente. Porém, o autor entendeu que o sistema condicionava Jeca Tatu a viver no conformismo. Era mais viável para os grupos hegemônicos que o Jeca continuasse curvado, posto de cócoras. Ao Estado era melhor que o Jeca nada falasse e aceitasse a sua condição. Desta forma, ficaria mais fácil manter-se no poder e conduzir o país da forma que achasse melhor. Raquel Gonçalves Octávio, conta que Monteiro Lobato passou a descrever o Jeca como vítima social quando se deu conta do abandono em que estava a população interiorana brasileira e percebeu que: “seu personagem se apresentava como uma pobre vítima da irresponsabilidade social de governos que só se preocupavam em cobrar impostos, sem contar com as interpretações que apresentavam Jeca como produto do meio”.
Quantos Jecas a mais estão sendo e serão forjados em nosso país, em nosso estado... em nosso município?
Adaptado de Jeca Tatu: retrato de um país desigual (Ingrid Ribeiro da Gama Rangel)
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