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sábado, 19 de novembro de 2011

O Jeca e a Política

     O Jeca, indiferente ao mundo, não dava atenção nem aos acontecimentos nem às conquistas sociais. Ainda em Urupês, podem-se encontrar relatos de Lobato acerca das atitudes do Jeca. Para o caipira, não importava se o país era independente ou não. A abolição da escravatura em nada modificou a sua vida, a Proclamação da República, menos ainda. Ao Jeca só interessava sua vida.
     Entretanto,  mesmo  sem  dar  importância  aos  acontecimentos  políticos,  o  Jeca votava.  
     Há  uma  narração  que  explicita  a  importância  que  o  dia  da  eleição tinha para o caipira:

"O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar no governo. Tira nesse dia da arca a roupa preta do casamento, sarjão furadinho de  traça  e  todo  vincado  de  dobras;  entala  os  pés  num  alentado sapatão  de  bezerro;  ata  ao  pescoço  um  colarinho  de  bico  e,  sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar o diploma de eleitor às mãos  do  chefe  Coisada,  que  lho  retém  para  maior  garantia  da fidelidade partidária. Vota.  Não  sabe  em  quem,  mas  vota.  Esfrega  a  pena  no  livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos a que chama “sua graça”."
     O Jeca votava sem saber em quem. Tal como um tatu, estava sempre curvado, de  cócoras  aos  outros. Vale  ressaltar  que  Monteiro  Lobato  escreveu  os  contos  com  o personagem  “Jeca  Tatu”  quando  o  Brasil  atravessava  o  período  da  República  Velha. Nesta fase, vivia-se a chamada República do “Café-com-leite” que tinha como uma das principais características o coronelismo que, como contam Nelson e Claudino Piletti: “Quem mandava em tudo e em todos eram os ‘coronéis’: no advogado, no padre, no professor, nas pessoas que trabalhavam em suas fazendas”. Os coronéis, com  os  títulos  herdados  do  Império,  faziam  acordos  entre  si  e  escolhiam  quem  iria governar o país.
     Desta forma, o Jeca fictício que entregava seu diploma (título eleitoral) ao seu patrão a fim de que fosse garantida a fidelidade partidária retratava, na verdade, o Brasil  em que Lobato vivia.
     Jeca Tatu não era patriota. Na verdade, ele sequer sabia o que era pátria. Sabia que o mundo era grande, que existiam muitas terras, mas não se importava em saber muito sobre elas. Quando questionado sobre o presidente da república, ele respondia com a pergunta: “O homem que manda em nós tudo?”. Se a resposta fosse afirmativa, ele respondia: “Pois de certo que há de ser o imperador.”
     O Jeca não conhecia o regime político de seu país, não sabia o que era a comentada república. Ele não tinha interesse em saber de nada. A ele nada importava. O próprio Lobato chegou a descrever o Jeca como agente de sua condição.
     Chegou-se a pensar que o Jeca queria andar de cócoras e viver miseravelmente. Porém, o autor entendeu que o sistema condicionava Jeca Tatu a viver no conformismo. Era mais viável para os grupos hegemônicos que o Jeca continuasse curvado, posto de cócoras. Ao Estado era melhor que o Jeca nada falasse e aceitasse a sua condição. Desta forma,  ficaria  mais  fácil  manter-se  no  poder  e  conduzir  o  país  da  forma  que  achasse melhor. Raquel Gonçalves Octávio, conta que Monteiro Lobato passou a descrever o Jeca como vítima social quando se deu conta do abandono em que estava a população interiorana brasileira e percebeu que: “seu personagem se apresentava como uma  pobre  vítima  da  irresponsabilidade  social  de  governos  que  só  se  preocupavam em  cobrar  impostos,  sem  contar  com  as  interpretações  que  apresentavam  Jeca  como produto do meio”.
Quantos Jecas a mais estão sendo e serão forjados em nosso país, em nosso estado... em nosso município?
Adaptado de Jeca Tatu: retrato de um país desigual (Ingrid Ribeiro da Gama Rangel)

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