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quarta-feira, 23 de março de 2011

Mosquitos transgênicos USP - Uma alternativa para Dengue

É com muita satisfação, caros leitores, que apresento uma solução muito inteligente e segura contra uma doença que está em evidência aqui no Brasil! Estou falando da dengue. Você deve estar se perguntando, porque satisfação... bem... esta possível solução encontrada para combater a dengue, foi gerada em um laboratório vizinho de onde estou desenvolvendo minha pesquisa em malária gestacional e um colega de mestrado (Danilo) é quem está desenvolvendo esta pesquisa com o Aedes, agora em fase experimental, em Juazeiro na Bahia, orientado pela Profa. Dra. Margareth de Lara Capurro-Guimarães do Departamento de Parasitologia do ICB/USP.
A pesquisa da Dra. Margareth ganhou recentemente a atenção da mídia porque ela está realizando os primeiros testes de liberação em campo de mosquitos Aedes aegypti transgênicos. Estes são portadores de um gene mortal e, ao acasalar com as fêmeas normais, geram larvas inviáveis reduzindo eficazmente a população destes insetos transmissores do vírus da dengue.

Vejam as reportagens que chamaram a atenção da mídia nacional:

 

 
A Dra. Margareth é bióloga e desenvolveu o seu mestrado e doutorado no Departamento de Bioquímica do IQ da USP sob orientação do Prof. Bianchi estudando a fisiologia de insetos. Ainda no Brasil, já em 1990 com o Prof. Oswaldo Marinotti do Departamento de Parasitologia do ICB, começou a estudar o Aedes em trabalhos de campo e, em laboratório, o Anopheles darlingi, principal transmissor de malária. Em 1997 foi fazer pós-doutoramento com o Dr. Anthony James na Universidade da Califórnia, em Irvine. Naquela época o laboratório do Dr. James estava conseguindo os primeiros insetos transgênicos no mundo. O desenvolvimento de insetos transgênicos para inserção na população tornou-se a linha de pesquisa da cientista desde então.

Nesta entrevista, a Dra. Margareth explica os vários tipos de insetos transgênicos que ela vem desenvolvendo há 14 anos para o controle de vários transmissores de doenças humanas e animais. Esta abordagem é importante porque várias populações de insetos transmissores de doenças animais e vegetais já são resistentes aos inseticidas existentes e a bactérias patogênicas introduzidas para seu controle como o Bacillus thuringiensis.

Como explicado pela Dra. Margareth, a técnica basicamente consiste em inserir um ou mais genes previamente testados nos ovos de insetos criados em laboratórios e selecionar entre as populações obtidas, aquelas que expressam a proteína ou as proteínas dos genes inseridos. Os testes seguintes verificam ainda em laboratório, se os produtos dos genes inseridos têm o efeito que se deseja e se os genes são estáveis, isto é, se são mantidos nas gerações dos descendentes.  Ao final vêm os testes ditos “em campo” nos quais a população transgênica é liberada em áreas delimitadas e controladas para se verificar o seu efeito na população nativa do inseto.

Na Califórnia qual foi o seu projeto?
Lá eu inicialmente desenvolvi em camundongos um anticorpo que se liga à superfície do Plasmodium que é o parasito da malária. O anticorpo foi chamado N2 e age recobrindo o parasito que é então destruído pelo sistema de imunidade inata do inseto. O gene codificador do N2 era inserido no inseto cujas células passavam a produzir e liberar o anticorpo que age impedindo a infecção do mosquito pelo parasito e assim bloqueia a sua transmissão.

Se me lembro, você foi chamada pelo Prof. José Fernandes Perez, então diretor científico da FAPESP, para desenvolver o projeto aqui no Brasil, dado o grande interesse despertado por esse tema. Como foi isto?
De fato, eu vim, passei no concurso em 2001 e recebi bolsa e auxílio de jovem pesquisador da FAPESP sendo contratada em 2002 pelo Departamento de Parasitologia. A molécula N2 ficou com o Prof. A. James e aqui comecei do zero. Escolhi trabalhar de inicio com A. aegypti, transmissor da malária aviária e, em colaboração com a Profa. Sirlei Daffre do nosso Departamento, testar peptídeos antimicrobianos sintetizados por carrapatos, por ela caracterizados. Um destes peptídeos, a microplusina, bloqueia em 60 % a entrada do Plasmodium na glândula salivar. Estes resultados estão em uma tese recentemente defendida, cujo trabalho está sendo publicado. Outro peptídeo,a angiotensina II, que era para servir de controle no experimento, teve um efeito espetacular matando 100 % dos parasitos. Como é um peptídeo muito pequeno de apenas 8 amino-ácidos tivemos que fazer uma construção especial para poder inserir no genoma; a sequência que codifica a angiotensina foi acoplada à de uma proteína maior e este gene combinado foi inserido no genoma do mosquito. Ao ser sintetizada a molécula pelas células do inseto, ocorre a quebra enzimática da molécula, liberando a angiotensina que tem a atividade de matar o parasito. Construir um gene destes é trabalhoso e demorado e nós fazíamos tudo sozinhos. Agora, firmas fazem a síntese gênica por cerca de 2.000 dólares e em mês e meio após fornecermos a sequência temos a construção gênica em mãos. Parece caro, mas se contabilizado o material gasto, testes e tempo realmente vale a pena.

Você poderia descrever resumidamente os passos envolvidos no processo a partir da inserção do transgene no ovo do inseto?

É essencial que o gene de interesse esteja acoplado a um gene repórter, em geral de uma proteína fluorescente, para permitir identificar as células que incorporaram eficazmente o transgene. A inserção do transgene no genoma é aleatória, isto é, não direcionada a uma região cromossômica determinada. Injeta-se a molécula (o transgene) por micromanipulação, sob microscópio, nos ovos fecundados de insetos. Quando as larvas se desenvolvem, aquelas que têm o gene de interesse fluorescem ao iluminarmos com luz ultravioleta. Mas nem todas têm o gene funcionante. É necessário produzir várias linhagens independentes (por volta de dez) a partir de cada clone. A seguir avalia-se o número de cópias do gene inserido, o RNA sintetizado, a longevidade e se o produto está ativo sobre o parasito em testes feitos em culturas das células do inseto. Finalmente testa-se a capacidade de bloquear a infecção usando o inseto adulto; o promotor de gene é em geral especifico de adulto e de fêmea. Os insetos machos servem de controle. Testa-se também se o gene é transmitido à prole e por quantas gerações.

Então, em termos de infra-estrutura, além da básica de biologia molecular, cultivo etc. você tem que ter insetários independentes e absolutamente seguros e controlados. Você tem isso?

Eu deveria ter. Tenho uma área com segurança para manter os transgênicos e infectados e outra para os normais. Venho lutando para ter uma área maior com insetários separados para transgênicos, infecção e normais desde que comecei, mas sem sucesso. A situação tornou-se mais crítica, pois trabalho agora, além do A. aegypti, com o Anopheles aquasalis que é importante na transmissão de malária em Belém do Pará. Infelizmente, o A. darlingi, principal vetor da malária ninguém consegue criar (colonizar) em laboratório. Tenho o Aedes como vetor da malária aviária e da dengue.

Este é um problema sério porque nos projetos para biotério não são contemplados pedidos para insetários ou mesmo para melhorar o biotério de galinhas que preciso para o projeto de malária aviária. Na FINEP tentamos, mas dependemos de endosso pela USP; apenas se consideram os pedidos para camundongos e ratos. No Programa financiado pela Fundação Bill Gates passei para a segunda fase, mas não consegui a verba. Infelizmente a FAPESP não reabriu outro projeto de infra-estrutura.

E para dengue o que você está desenvolvendo?

O modelo que eu mesma desenvolvi e tenho para dengue é o chamado suicida. Construímos um gene que codifica para uma proteína de fusão que fica ancorada no reticulo endoplasmático das células do inseto. Esta proteína tem ancorada uma proteína (chamada Michelob X) que induz apoptose, isto é a morte da célula. Na fêmea contaminada com o vírus da dengue, uma das enzimas (uma protease) produzidas pelo vírus para formar o seu envoltório (ou capsídeo) quebra esta âncora e libera a Michelob X cuja ação vai resultar na morte da célula por apoptose. Assim o inseto infectado morre e não transmite a infecção. Já temos as linhagens e os testes positivos feitos em cultura com células infectadas. Falta realizar os testes com os mosquitos.

E os testes de campo em Juazeiro que atraíram tanto a atenção da mídia como estão sendo feitos?

Estes testes estão sendo feitos com um mosquito transgênico A. aegypti, linhagem OX 513, cujos machos carregam um transgene que é letal para a larva. O macho é introduzido na área, copula com as fêmeas da região e as larvas resultantes morrem. A construção é segredo industrial e foi desenvolvida na Universidade de Oxford na Inglaterra; eles criaram uma companhia, a OXITEC, e ofereceram duas linhagens para testes em países endêmicos.

No Brasil, optamos por fazer testes de campo em área delimitada e restrita. O projeto está sendo desenvolvido em parceria com a Moscamed Brasil, uma Sociedade Civil que atua como organização social [http://www.moscamed.org.br/]. Esta entidade foi fundada pelo Prof. Aldo Malavasi, professor aposentado do Instituto de Biociências para fazer o controle da mosca das frutas na região de fruticultura do vale do rio São Francisco. A técnica é a do macho estéril, usada há vários anos na agricultura. No caso dos testes do mosquito OX 513 a técnica é um pouco diferente mas a Moscamed nos forneceu uma grande área para criação dos mosquitos e o pessoal treinado nos procedimentos de produção dos insetos, liberação, captura e contato com a população.

A parte inicial do projeto de levantamento da área e sazonalidade foi feita antes da aprovação do nosso projeto pela CTN-Bio. Tivemos que tocar o projeto sem verba alguma porque era negada por não ter ainda a aprovação da CTN-Bio. A partir da aprovação, pudemos começar. Tenho um estudante meu lá, que atua como gerente de projeto, mais três pessoas para criar os mosquitos e mais três para avaliar a frequência dos mosquitos e larvas na área de estudo.

Liberamos inicialmente 12.000 mosquitos transgênicos e mais 2.000 outros normais para verificar dispersão. Antes pulverizamos com corantes fluorescentes de cores diferentes os insetos para poder rastreá-los.

Na área de estudo existem várias pequenas vilas, não há turistas e os agricultores já estão acostumados com a técnica das moscas machos estéreis. Temos que avaliar agora a dispersão, alcance, viabilidade e estimar a população autóctone de mosquitos com base na proporção de recaptura dos insetos liberados. Isto tudo é importante para sabermos quantos mosquitos temos que soltar e com qual frequência de modo que existam sempre transgênicos disponíveis para acasalar.

Estes últimos parâmetros serão avaliados em abril em experimentos chamados de “Range finder” que incluem a avaliação das larvas capturadas em recipientes com água (armadilhas).
Para entender o experimento lembramos que a fêmea para sobreviver precisa ingerir sangue; após a cópula, os espermatozóides ficam guardados na espermateca e os óvulos vão sendo fertilizados e liberados em várias posturas. Em geral 80-100 ovos são liberados a cada postura de onde se desenvolvem as larvas. As fêmeas que copularam com os machos OX 513 não vão gerar larvas porque o transgene é letal para elas. As fêmeas vivem em média 20 dias ou mais se estiverem infectadas. Na natureza, uma segunda cópula da fêmea não resulta em espermatozóides viáveis.

Testes com os mosquitos da OXITEC estão sendo feitos em outros países?

Sim. Mas cada país escolheu uma estratégia de estudo diferente. Nas ilhas Cayman foi feita liberação para supressão de população, semelhante à escolhida por nós e que deverá ser feita entre julho próximo e agosto de 2012. Nós estamos na etapa dois  - pré-liberação. O México escolheu gaiolas teladas para estudar aspectos como a longevidade e preferência de fêmea.

O nosso projeto tem como parte importantíssima o trabalho feito junto à comunidade. Conversar com as pessoas e oferecer toda informação sobre o projeto e explicar bem a transgenia dos insetos. Existe este aspecto de transparência no projeto, essencial do ponto de vista da ética humana e que inclui instrução mediante reuniões, palestras, Power- Point etc.

Quais as perspectivas para implantação do projeto?

Os recursos terão de vir do Ministério da Saúde que já está a par dos projetos e do grave problema da dengue na Bahia. As prefeituras das áreas mais atingidas estão se reunindo com o Ministério da Saúde. O Brasil, por possuir o know-how e pessoal treinado, tem colônias dos insetos e condições de produzir os ovos. Em termos de pesquisa, a aprovação da CTN-Bio e a implantação deste projeto devem facilitar a aprovação de verbas para infra-estrutura necessária, tais como os insetários e demais equipamentos, para que outros transgênicos possam ser desenvolvidos.

Entrevista concedida a Ises de Almeida Abrahamsohn em 25 de fevereiro de 2011.


MACIEL C ; OLIVEIRA JUNIOR, V. X. ; FAZIO, M. A. ; NACIF-PIMENTA R ; MIRANDA, A. ; PIMENTA, P. F. P. ; CAPURRO, M L.
Anti-Plasmodium activity of angiotensin II and related peptides. PLoS ONE, v. 3, p. e3296, 2008.
SPERANÇA, M. A. ; CAPURRO, M L. Perspectives in the control of infectious diseases by transgenic mosquitoes in the post-genomic era.. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 102, p. 425-433, 2007.

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